Estudo recente analisa cabelos de Beethoven e chega mais perto das causas de sua morte
Em 1802, aproximadamente 25 anos antes de falecer, Ludwig van Beethoven escreveu uma carta a seus irmãos. Perturbado com sua crescente perda de audição e com os problemas de saúde que afetaram significativamente sua carreira artística, o famoso compositor de música clássica pedia no documento que, após sua morte, sua doença fosse descrita e tornada pública. A carta foi encontrada num compartimento oculto da escrivaninha do músico em 27 de março de 1827, um dia depois do seu falecimento. Nela, Beethoven afirmava que apenas a virtude e sua arte o impediam de cometer suicídio. Só que Johann Adam Schmidt, médico que cuidava de Beethoven, morrera em 1809 e a causa real da surdez e da morte de Beethoven permanecem um mistério, que os estudiosos vêm tentando descobrir desde então.
Agora, passados mais de dois séculos, pesquisadores liderados por Tristan Begg, especialista em genoma antigo da Universidade de Cambridge, do Reino Unido, parecem ter chegado mais perto da resposta. Com base em material genético extraído de mechas de cabelo preservadas e que supostamente são de Beethoven, o grupo chegou a algumas conclusões. Tentativas anteriores de extrair material genético do cabelo do compositor ou fragmentos de crânio haviam falhado. Mas os avanços registrados nas últimas duas décadas em métodos de sequenciamento de DNA de amostras degradadas por séculos permitiram o estudo mais recente, publicado nesta semana na revista Current Biology.
Infelizmente, a causa da perda auditiva de Beethoven permanece desconhecida, mas a análise sugere que o compositor provavelmente morreu de doença hepática causada por uma combinação de fatores.
À revista Nature, Walter Parson, biólogo molecular forense da Universidade Médica de Innsbruck, na Áustria, considera o trabalho de Begg e sua equipe “uma grande conquista tecnológica. Parson já trabalhou em outros casos históricos, entre eles a identificação de dois filhos de Nicolau II, o último czar do Império Russo, a partir de restos descobertos em 2007.
Morte por doença hepática
O estudo de Begg e colegas sugere que Beethoven provavelmente morreu de doença hepática provocada por uma combinação de hepatite B, consumo de álcool e fatores genéticos. “Houve uma tempestade perfeita”, diz o autor.
A perda auditiva de Beethoven começou em seus 20 e poucos anos, caracterizada inicialmente por zumbido, recrutamento de volume e perda de frequências de tons altos, e encerraria sua carreira como artista performático por volta dos 40 anos. Pelo menos desde os 22 anos de idade, Beethoven sofria de queixas abdominais debilitantes que continuaram ao longo de sua vida adulta, caracterizadas principalmente por cólicas e ataques prolongados e repetitivos de diarréia. No verão de 1821, Beethoven começou a apresentar sintomas de doença hepática quando ocorreu o primeiro de pelo menos dois ataques de icterícia, culminando em sua morte, em 26 de março de 1827, provavelmente devido a cirrose. Várias linhas de evidência indicam o regular consumo de álcool, o que levou alguns biógrafos médicos a concluir que Beethoven era dependente de álcool, um fator de risco conhecido para cirrose hepática.
Enquanto vários contemporâneos de Beethoven insistiam que o compositor geralmente consumia álcool com moderação, um amigo próximo teria afirmado que, entre 1825 e 1826, Beethoven consumia pelo menos um litro de vinho no almoço todos os dias.
Embora pouco se saiba com certeza sobre a história médica da família imediata de Beethoven, foi observada uma história familiar de dependência de álcool e doença hepática.
O DNA extraído do cabelo cortado da cabeça do compositor após sua morte também continha fragmentos do vírus da hepatite B, que pode causar danos ao fígado. “Não sabemos quando ele contraiu ou como contraiu”, diz Begg, que suspeita que Beethoven teve uma infecção crônica latente, que foi reativada meses antes de sua morte.
As descobertas se alinham com os relatos históricos da morte de Beethoven. Em dezembro de 1826, a saúde do compositor piorou rapidamente. Ele desenvolveu icterícia e seus membros incharam – ambos sinais de insuficiência hepática. Ele foi para a cama e lá permaneceu até sua morte.
A causa da surdez
Apesar desse avanço, a causa da perda auditiva de Beethoven permanece sem resposta. Begg e seus colegas examinaram o genoma do compositor em busca de várias condições ligadas à perda auditiva, incluindo a doença de Paget e o lúpus. Beethoven tinha uma série de marcadores genéticos que indicavam um risco elevado de desenvolver lúpus, mas como a condição é rara e nem sempre leva à perda auditiva, Begg não acredita que seja um forte candidato à causa de sua surdez.
“A genética médica luta com os mesmos problemas em pacientes que estão vivos hoje”, explica Parson. “A sequência de DNA não fornece todas as informações necessárias para se entender as causas de uma doença.”
Historiadores médicos especularam que a otosclerose – uma condição na qual um minúsculo osso do ouvido chamado estribo se funde com outras partes do ouvido – pode ter sido responsável pela perda auditiva de Beethoven. As causas genéticas da otosclerose ainda não foram identificadas, portanto isso ainda é possível, mas a teoria não pôde ser confirmada por este estudo. Begg afirma que, se as ligações genéticas forem identificadas no futuro, a equipe poderá verificar novamente o genoma de Beethoven.