Sociedade Brasileira de Autores Teatrais lança ciclo de peças em formato de audioteatro
A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais em parceria com o Laboratório de Estética e Política (Lep), do Programa de Pós-graduação em Artes da Cena (PPGAC/UFRJ) da UFRJ, lança a série de podcasts “Contém-peças: um ciclo de peças em formato de audioteatro”. Com obras inéditas das autoras Julia Spadaccini e Daniela Pereira de Carvalho, e um raro texto do dramaturgo Augusto Boal, o projeto apresenta peças em formato de audioteatro, no qual as vozes se tornam protagonistas.
“São textos escritos para o teatro, em que a visualidade seria fundamental, porém encenadas em formato sonoro, que não prevê nenhuma imagem: o formato de podcast. É outra linguagem, mas com código já frequentado pela dramaturgia brasileira, que teve uma riquíssima produção em formato de rádio-teatro nas décadas de 40 e 50. O espectador é convidado à experiência de ouvinte”, explica Alessandra Vannucci, pesquisadora do Lep, idealizadora e coordenadora do projeto.
A partir de uma convocação nacional, foram selecionados textos de autores associados à Sbat. Em seguida, as obras foram adaptadas para o formato de audioteatro pelo dramaturgo e pesquisador Tatá Oliveira, e dirigidas pelo ator, diretor e pesquisador Bruce Gomlevsky.
Artistas consagrados, Tatá e Bruce participam das peças também como atores, ao lado de um elenco de artistas iniciantes e amadores, alguns sem nenhum contato prévio com o teatro. “É uma nova geração que faz arte com outro olhar, inclusive sobre as questões de gênero”, conta Julia Spadaccini, autora de “Doce Oceano”, uma das obras inéditas do projeto.
Todas as funções criativas (produção, interpretação, criação gráfica, edição) foram realizadas pela equipe de estudantes bolsistas do Lep, selecionados entre alunos cotistas.
“Estamos revitalizando a Sbat. Um projeto como esse, que reúne diferentes gerações de autores, com novas linguagens, está em plena sintonia com os objetivos atuais do Sbat em Cena”, diz Gillray Coutinho, um dos integrantes da coordenação provisória da Sociedade.
“Mesmo aqui, no Rio – essa capital tão idealizada no imaginário brasileiro – nós, que fazemos teatro, vivemos uma situação extremamente precária. Há todo um movimento importantíssimo de diversidade e descentralização dos fomentos, buscando pulverizar, em alguma medida, os privilégios econômicos cristalizados por séculos. É uma luta in progress, mas que, pelo menos, já recomeçou”, diz Daniela Pereira de Carvalho, autora de “Comportamento”, outra obra inédita que faz parte do projeto.
Diversidade e dramaturgia feminina em cena
Mesmo escritas em diferentes momentos, as três peças debatem temas atuais envolvendo transfobia, pedofilia e relações familiares promíscuas, muitas vezes camufladas e tratadas como tabus.
Na visão de Julia Spadaccini, a dramaturgia feminina tem ressurgido com enorme potência nos últimos anos, a partir de figuras como Carla Faour, Renata Mizrahi, Daniela Pereira de Carvalho, Grace Passô e Luh Maza.
“Não há quase nenhum apoio voltado para a escrita feminina. Continuamos porque temos que falar e essa voz jamais será calada”, diz Julia, que tem se destacado como autora e roteirista de obras para o cinema, como “Chacrinha, o Velho Guerreiro e “Loucas Pra Casar”; televisão, como “Segunda Chamada” e “Amorteamo”, da TV Globo, e teatro, sendo vencedora do prêmio Shell em 2013 com a peça “A Porta da Frente”.
Novo formato, novas experiências
É a primeira vez que Julia e Daniela têm textos montados em podcast, formato que traz novos desafios de se fazer teatro em meio a tantas transformações tecnológicas, políticas e sociais.
“É uma possibilidade interessante ter uma peça transposta para outro plano que não o da cena de teatro, do palco, propriamente. Neste caso, para uma dimensão absolutamente sonora”, conta Daniela.
“Ver e ouvir trazem vivências opostas. Quando eu ouço um audiobook, por exemplo, ainda que o recurso seja apenas o texto, é diferente de ler. Assim como ouvir uma
história encenada é bem diferente de ver. A minha atenção é direcionada pro lugar que aquela expressão me leva. A voz e a respiração, de um lado, o corpo e o espaço, do outro. Ouvir, de uma certa maneira, é mais intimista”, observa Spadaccini.
“Um detalhe é que sou surda profunda, mas meus aparelhos de audição tem um sistema de captação por bluetooth que me possibilita ouvir. Infelizmente a cultura do podcast deixou a maior parte dos surdos de fora. Também uma boa reflexão a fazer: como incluir pessoas com deficiência auditiva nessa história?”, questiona a autora.
Lançamento dividido em cinco semanas
“Doce Oceano”, primeira peça do “Contém-peças”, entrou na plataforma Spotify no dia 4 de abril, durante o Ecomeço, atividade de recepção de calouros da Escola de Comunicação da UFRJ. Nos dias 11, 18 e 25, sempre às terças-feiras, cada capítulo da obra “Comportamento“ será divulgado. E, no dia 2 de maio, a obra “Laio se matou”, de Augusto Boal, entra no streaming, fechando o ciclo.
Sinopses
Doce oceano, de Julia Spadaccini
Três irmãos precisam tomar uma decisão importante sobre a vida do pai, mas acontecimentos inesperados trazem à tona a relação conturbada entre eles.
Comportamento, de Daniela Pereira de Carvalho
Depois de anos, Gustavo encontra seu pai, Otávio, mas desse encontro surgem questões morais que o fazem questionar a vontade de manter a figura paterna na sua vida. Essa obra será apresentada em três capítulos, em formato de série. Capítulo 1: Você gosta do Nicolas Cage? Capítulo 2: Nosso sonho não vai terminar. Capítulo 3: The Kid is not my Son.
Laio se matou, de Augusto Boal
Nesta peça escrita para o Teatro Experimental do Negro, Augusto Boal transpõe a história grega do Édipo, de Sófocles, a um terreiro de Candomblé, no Rio de Janeiro dos anos 1950.
Confira a ficha técnica de cada obra