4 de maio de 2024

Tese, na UFMG, relaciona a ‘black music’ à expressão do antirracismo no Brasil

0
black vinyl record on turntable

Foto Crédito Ivan Dorofeev/Unsplash

Analisar parte da história da black music no Brasil é também perceber a evolução do entendimento de racismo e antirracismo e a articulação das comunidades negras brasileiras com as dos Estados Unidos. Esse é um dos aspectos de destaque na tese de Bruno Vinícius Leite de Morais, defendida em 2022, no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A investigação de Bruno percorreu três décadas (de 1960 a 1988) e encontrou a bossa negra a partir de Elza Soares, o soul, o funk, a disco music e outros gêneros.

Após recuperar algo do diálogo da música do Brasil com a dos Estados Unidos nas duas primeiras décadas do século passado – ele identificou expressões do antirracismo em Pixinguinha e outros nomes da música popular brasileira –, Bruno partiu, para sua análise, do disco Bossa negra, de Elza. Essa gravação de 1960 tinha hibridações do samba, sobretudo o de gafieira, com sonoridades jazzísticas da black music norte-americana. Jorge Ben Jor e Wilson Simonal foram outros expoentes do gênero nesse período.

A gravação, por Simonal, do spiritual Tributo a Martin Luther King, na segunda metade da década de 60, marcou apropriação mais explícita das sonoridades muito presentes nos EUA. “A black music simbolizou intensa modificação da abordagem da temática racial, em diálogo profundo com os Estados Unidos, na musicalidade e também na forma de pensar sobre sofrer racismo”, afirma o pesquisador. Ele explica que o entendimento do termo racismo era, à época, relacionado à afirmação racial de grupos diversos, não era entendido como preconceito dos brancos contra os negros. Na ditadura, a polícia política chegou a tratar a black music como racista, nesse sentido.

Ainda nos anos 1960, a pesquisa localizou evidências da incorporação, no Brasil, das sonoridades da música jovem (ou pop, como era referida), representadas pelo soul e o funk. E já se encontravam ali, afirma Bruno, elementos de uma nova forma de expressão do antirracismo na canção brasileira, denominada na tese de Linguagem Política do Orgulho Negro.

Linguagem antirracista

O ápice da produção da black music brasileira se deu nos anos 1970. Nesse período, a pesquisa de Bruno Morais constatou expressivo número de canções com temáticas da linguagem negra antirracista e da Linguagem Política do Orgulho Negro – alguns exemplos são Negro é lindo, de Jorge Ben Jor, Sou negro, de Toni Tornado, e Refavela, de Gilbeto Gil. “Apesar da censura imposta pela ditadura militar, muitas canções contradiziam a representação oficial das relações raciais no país, e a música difundia com força a linguagem antirracista”, afirma Bruno Morais, cujo trabalho foi orientado pela professora Miram Hermeto de Sá Motta.

Na black music brasileira da década de 1970, predominavam os gêneros da música jovem dos Estados Unidos, sobretudo o soul e o funk, muitas vezes com reelaborações em português. Como atesta a tese, às sonoridades e temáticas das canções se somavam formas de comunicação visual, estilos de vestuário e penteado, sempre com a marca da afirmação da estética do orgulho negro.

Bruno Morais observa que o incentivo à indústria fonográfica propiciou a expansão do setor e a exposição de muitos artistas – como Tim Maia e Luiz Melodia –, e a política de relações exteriores do governo ditatorial deu oportunidade à difusão de canções antirracistas – o sucesso de artistas negros propiciava reforçar o discurso da democracia racial –, em benefício do projeto de aproximação do continente africano, em busca de novos mercados para as exportações brasileiras. Algumas canções enfatizavam a herança africana, como África, África, de Simonal, e Rodésia, de Tim Maia. Ao mesmo tempo, ressalta o historiador, as pessoas negras, que formavam a maior parte das comunidades pobres, pagavam os custos do “milagre” econômico e sentiam o agravamento das desigualdades sociais.

Declínio em contraste com a luta

O último recorte temporal da tese tem início no ano de 1978, que marcou o apogeu da disco music, gênero incorporado por artistas que personificaram a black music nos anos anteriores. “O espaço dos produtores musicais para a experimentação foi reduzido pelo movimento de profissionalização da indústria fonográfica, e o gênero entrou em fase de retraimento”, explica Bruno Morais. Ele ressalva que ainda apareceram nomes importantes como Zezé Motta e Sandra de Sá (a “rainha do soul”), e a black music teve algum eco na produção de Gilberto Gil e Djavan, entre outros. Entre os músicos ditos alternativos, Itamar Assumpção incorporou elementos do gênero. Em todos esses casos, estavam presentes, eventualmente, discursos das linguagens antirracistas.

O declínio da produção fonográfica da black music a partir de 1978 contrasta com o recrudescimento da luta antirracista, de acordo com a tese. “O Movimento Negro ganhava visibilidade em um cenário de intensificação das lutas populares contra a ditadura e de eclosão de novos movimentos sociais”, escreve o pesquisador.

Ainda de acordo com Bruno Morais, com o processo de redemocratização, a partir de 1985, e a promulgação da Constituição de 1988, a luta antirracista ganhou força, “reivindicando um alargamento do conteúdo da democracia a ser instaurada”. Na tese, Bruno afirma ainda que “intelectuais negros buscaram fundamentar uma nova compreensão do termo ‘racismo’, que abarcasse o preconceito e a discriminação racial, seguindo as concepções do Movimento Negro”. Essa ressignificação, segundo ele, foi “central para sustentar a rejeição do mito da ‘democracia racial’. Ao tratar da atuação do Movimento Negro em interação com a Assembleia Constituinte, Bruno destaca aproximações das pautas desse movimento com temas tratados na produção da black music apresentada por ele.  

Na tese, Bruno Vinícius Morais lembra que há várias formas de expressar o antirracismo, que ele chama de linguagens políticas antirracistas. A Linguagem do Orgulho Negro, ele sustenta, pensava a realidade racial brasileira com forte interlocução com os movimentos negros estadunidenses. “A incorporação das sonoridades da black music coexistiu com a ressignificação do termo ‘racismo’, que ganhou o sentido de preconceito e discriminação racial contra as pessoas negras, o que era enfatizado no antirracismo dos EUA”, comenta o pesquisador.

TeseO swing da cor: a Linguagem Política do Orgulho Negro na black music brasileira (1960-88)

Autor: Bruno Vinícius Leite de Morais

Orientadora: Míriam Hermeto de Sá Motta

Defesa: fevereiro de 2022, no Programa de Pós-graduação em História

O que você achou disso?

Clique nas estrelas

Média da classificação 5 / 5. Número de votos: 1

Lamentamos que este post não tenha sido útil para você!

Vamos melhorar este post!

Diga-nos, como podemos melhorar este post?

Quem escreveu

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Turismo&Cultura utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a nossa Política de Privacidade. View more
Cookies settings
Accept
Nossa Política de Privacidade
Privacy & Cookies policy
Cookie name Active

Quem somos

O endereço do nosso site é: http://turismoecultura.com.br.

Comentários

Quando os visitantes deixam comentários no site, coletamos os dados mostrados no formulário de comentários, além do endereço de IP e de dados do navegador do visitante, para auxiliar na detecção de spam. Uma sequência anonimizada de caracteres criada a partir do seu e-mail (também chamada de hash) poderá ser enviada para o Gravatar para verificar se você usa o serviço. A política de privacidade do Gravatar está disponível aqui: https://automattic.com/privacy/. Depois da aprovação do seu comentário, a foto do seu perfil fica visível publicamente junto de seu comentário.

Mídia

Se você envia imagens para o site, evite enviar as que contenham dados de localização incorporados (EXIF GPS). Visitantes podem baixar estas imagens do site e extrair delas seus dados de localização.

Cookies

Ao deixar um comentário no site, você poderá optar por salvar seu nome, e-mail e site nos cookies. Isso visa seu conforto, assim você não precisará preencher seus dados novamente quando fizer outro comentário. Estes cookies duram um ano. Se você tem uma conta e acessa este site, um cookie temporário será criado para determinar se seu navegador aceita cookies. Ele não contém nenhum dado pessoal e será descartado quando você fechar seu navegador. Quando você acessa sua conta no site, também criamos vários cookies para salvar os dados da sua conta e suas escolhas de exibição de tela. Cookies de login são mantidos por dois dias e cookies de opções de tela por um ano. Se você selecionar "Lembrar-me", seu acesso será mantido por duas semanas. Se você se desconectar da sua conta, os cookies de login serão removidos. Se você editar ou publicar um artigo, um cookie adicional será salvo no seu navegador. Este cookie não inclui nenhum dado pessoal e simplesmente indica o ID do post referente ao artigo que você acabou de editar. Ele expira depois de 1 dia.

Mídia incorporada de outros sites

Artigos neste site podem incluir conteúdo incorporado como, por exemplo, vídeos, imagens, artigos, etc. Conteúdos incorporados de outros sites se comportam exatamente da mesma forma como se o visitante estivesse visitando o outro site. Estes sites podem coletar dados sobre você, usar cookies, incorporar rastreamento adicional de terceiros e monitorar sua interação com este conteúdo incorporado, incluindo sua interação com o conteúdo incorporado se você tem uma conta e está conectado com o site.

Com quem compartilhamos seus dados

Se você solicitar uma redefinição de senha, seu endereço de IP será incluído no e-mail de redefinição de senha.

Por quanto tempo mantemos os seus dados

Se você deixar um comentário, o comentário e os seus metadados são conservados indefinidamente. Fazemos isso para que seja possível reconhecer e aprovar automaticamente qualquer comentário posterior ao invés de retê-lo para moderação. Para usuários que se registram no nosso site (se houver), também guardamos as informações pessoais que fornecem no seu perfil de usuário. Todos os usuários podem ver, editar ou excluir suas informações pessoais a qualquer momento (só não é possível alterar o seu username). Os administradores de sites também podem ver e editar estas informações.

Quais os seus direitos sobre seus dados

Se você tiver uma conta neste site ou se tiver deixado comentários, pode solicitar um arquivo exportado dos dados pessoais que mantemos sobre você, inclusive quaisquer dados que nos tenha fornecido. Também pode solicitar que removamos qualquer dado pessoal que mantemos sobre você. Isto não inclui nenhuns dados que somos obrigados a manter para propósitos administrativos, legais ou de segurança.

Para onde enviamos seus dados

Comentários de visitantes podem ser marcados por um serviço automático de detecção de spam.
Save settings
Cookies settings